Márcio Abensur
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Educação Física Escolar: Você realmente sabe o que é?
Prof. Márcio Abensur* |
Na
edição anterior iniciamos uma discussão sobre a dúvida que leigos e (sic)
também especialistas em educação possuem sobre a importância da oferta da
disciplina educação física (ministrada por profissional com formação superior
na respectiva área) também na educação infantil e nos anos iniciais (1º ao 5
ano) do ensino fundamental. Agora, retomamos o debate comentando um fato
conhecido por todos (leigos ou não).
Nos
últimos anos temos acompanhado na mídia a divulgação do crescimento da
obesidade infantil, o que tem despertado o meio educacional para o tema. Mas, é
de chamar a atenção o fato de o sistema educacional manifestar preocupação com
o aumento da obesidade infantil e suas consequências, enquanto ao mesmo tempo ignora
o fato de a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental não terem
a disciplina educação física, ou, quando ofertada, não ser ministrada pelo
profissional que tem em suas atribuições promover a saúde, prevenir e intervir
no adoecimento por meio da motricidade humana.
Numa
sociedade capitalista onde crianças subindo em árvores, correndo num gramado,
ou mesmo dando cambalhotas não é mais algo comum, teoricamente o único espaço
onde nossos pequenos alunos poderiam viver como crianças (movimentando-se)
seria a escola. Teoricamente porque, como já discutido, apesar dos respaldos
científicos e legais, a própria educação sustenta o paradoxo aqui em questão.
Como nossas crianças podem não entrar nas estatísticas da obesidade e suas
consequências se são privadas de se manifestar como um ser que precisa correr,
pular, gritar, rolar, brincar, etc., acompanhadas pelo profissional da saúde responsável
também por evitar esta estatística? Enquanto isso, na contramão do processo, o
Conselho Nacional de Educação (CNE) publica uma resolução que fere uma lei
federal! Isto é no mínimo duvidoso. O artigo 31, da Resolução CNE/CEB Nº 7, de
14 de dezembro de 2010, evidencia a contradição.
Art.
31. Do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares Educação
Física e Arte poderão estar a cargo do professor de referência da turma, aquele
com o qual os alunos permanecem a maior parte do período escolar, ou de
professores licenciados nos respectivos componentes
Desta
forma, o que tradicionalmente se pratica nos segmentos supracitados fica “normatizado”,
já que o docente de educação infantil (formado em normal superior ou pedagogia),
segundo a resolução, pode assumir tal componente curricular (além de Arte). Lembremos
que existe uma grande diferença entre a abrangência de uma lei e a de uma
resolução. No entanto, nos últimos anos Projetos de Lei vêm sendo propostos
para que na LDB seja previsto o que a Lei 9.696/98 já define: a prerrogativa do
exercício das atividades de educação física. O mais recente é o PL Nº 103, de
2012, do qual extraímos parte da justificação.
Então
nos questionamos: “Como um sistema educacional que se mostra preocupado com
questões importantíssimas, como a saúde do educando, por exemplo, não consegue
enxergar que é o causador dos problemas que afirma desejar resolver?” Acreditamos
que existe muito a se pensar sobre como ajustar, ainda que minimamente, a
educação no país. Um aspecto a ser apreciado é a participação direta dos
docentes nas discussões sobre os rumos da educação, revendo alguns conceitos e
posturas diante da necessidade de sua parcela de contribuição.
No
caso do profissional de educação física, nos parece suficiente o que abordamos
até aqui para evidenciar a outros profissionais ou leigos a importância de sua
atuação na escola, não apenas nos segmentos iniciais, mas em todos os níveis da
educação básica. Por outro lado, este profissional precisa entender que não é
mais aquele professor de quadra e bola, e que a área na qual se formou avançou
bastante nas últimas décadas. Mas, para isto, precisa exigir de si mesmo a
vontade de pôr em prática a proposta que o campo lhe confiou, saindo daquela
cultura de prática esportiva ou recreativa, e mostrando, na prática, o porquê
de sua profissão possuir duas leis federais que lhe conferem presença
obrigatória em todos os níveis da educação básica (Lei 9.394/96) e sob a
regência do profissional licenciado na respectiva área (Lei 9.696/98).
*
Docente do Instituto Federal do Amazonas, campus Tabatinga;
Profissional de
Educação Física;
Especialista em Psicomotricidade;
e Mestrando em Motricidade
Humana e Saúde.
marcioabensur@ifam.edu.br
sábado, 4 de maio de 2013
Educação Física Escolar: Você realmente sabé o que é?
Prof. Márcio Abensur* |
No
ano em que a Secretaria de Estado de NEducação (SEDUC) finalmente passa
a cumprir o disposto em legislação federal, no que diz respeito à
obrigatoriedade da disciplina educação física em todos os níveis da
educação básica (Lei 9.394/96) e ministrada por profissional graduado na
respectiva área (Lei 9.696/98), fomos consultados por vários leitores
sobre o porquê de o profissional de educação física ministrar aulas
também na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
(1º ao 5º ano), já que tradicionalmente as crianças têm a professora de
educação infantil que pode ministrar recreação.
As
duas leis federais acima citadas já seriam argumento suficiente para
justificarmos tal presença, mas, para que se compreenda a importância do
profissional de educação física nesses segmentos, vamos apresentar
argumentos técnico-científicos e técnico-profissionais. Primeiramente,
observemos a enorme diferença entre educação física e recreação,
recorrendo à Resolução CONFEF Nº 046, de 18 de fevereiro de 2002, que
dispõe sobre a intervenção do Profissional de Educação Física, respectivas competências e campos de atuação:
No
âmbito da Intervenção do Profissional de Educação Física, a atividade
física compreende a totalidade de movimentos corporais, executados no
contexto de diversas práticas: ginásticas, exercícios físicos,
desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades
rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação,
reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios
compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas
corporais. (grifo nosso)
Como
se pode notar, recreação é apenas uma das muitas manifestações do
movimento humano, competência do profissional de educação física, que
tem a atuação bastante diferente da atuação da professora (ou professor)
de educação infantil. Enquanto o docente com formação multidisciplinar
tem o papel fundamental de educar as crianças no contexto cognitivo
(principalmente leitura, escrita e calculo), o profissional de educação
física, professor da disciplina, tem a incumbência de desenvolver o
aluno integralmente, podendo, por meio de técnicas e exercícios
específicos, trabalhar a educação e a saúde de seus discentes. O
professor de educação infantil, obviamente, utiliza-se também de
atividades recreativas para educar seus alunos, mas tais brincadeiras
não são selecionadas com finalidades preventivas ou reeducativas para
distúrbios ou dificuldades de aprendizagem, por exemplo. Em outras
palavras, uma atividade empregada pelo professor de educação física
sempre será definida com um objetivo específico e como um processo
metodológico e sistemático, voltado a trabalhar aspectos inerentes ao
desenvolvimento do educando, independentemente de ser esta atividade
recreação, jogo, ginástica, esporte, exercício psicomotor ou neuróbico,
entre outros.
Por
outro lado, não se pode negar que durante muito tempo as aulas de
educação física escolar foram rotuladas como momento de lazer ou de
condicionar o corpo, chegando até ao cúmulo de serem discriminadas pelas
demais disciplinas por sua suposta irrelevância no rol de estímulos ao
conhecimento do aluno. Tal estigma perdurou por bastante tempo,
reforçado pelas “aulas” ministradas por leigos contratados pela escola,
que considerava a disciplina uma prática que qualquer pessoa poderia
conduzir. Infelizmente, a escola ainda não descobriu o que realmente é a
educação física, afinal, assim como o “pratico”, vários docentes de
outras áreas já ministraram “aulas” dessa disciplina e acreditam que
podem, inclusive, discutir com o profissional da respectiva área sobre
como o mesmo deve atuar. E aqui estamos nós, tentando explicar o que
deveria ser do conhecimento de todos.
Dentre
as várias ações desenvolvidas pelo professor de educação física,
podemos citar uma que, apesar de atribuição própria, não é conhecida
como tal pelos demais docentes da educação básica : a avaliação
motora/psicomotora. Esta é um complemento indispensável na atuação do
profissional de educação física e um elemento de fundamental importância
na observação dos vários problemas de adaptação que o aluno pode
apresentar. Rosa Neto (2002) define o exame motor como o ponto de
partida para a intervenção educacional, pois, a partir do mesmo, o
professor de educação física poderá evidenciar dificuldades ligadas a
transtornos d a coordenação motora , transtornos específicos de
desenvolvimento neuropsicomotor, hiperatividade, alterações de conduta e
dificuldades de aprendizagem escolar.
Para
a surpresa do leitor, é justamente o professor da disciplina comumente
tida como sem importância na escola, que tem a responsabilidade de
avaliar o aluno para estabelecer linhas de atuação voltadas à prevenção
dessas dificuldades e, para os casos específicos, definir as atividades
mais adequadas para as ações de reeducação motora/psicomotora. Vejamos o
que diz a Resolução CNE/CES Nº 7, de 5 de abril de 2004 (Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física),
que em seu artigo 6º, § 1º, trata sobre a formação do graduado em
educação física, citando dentre suas competências e habilidades:
Diagnosticar
os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças,
jovens, adultos, idosos, pessoas portadoras de deficiência, de grupos e
comunidades especiais) de modo a planejar, prescrever, ensinar,
orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos e
programas de atividades físicas, recreativas e esportivas nas
perspectivas da preve nção, promoção, proteção e reabilitação da saúde,
da formação cultural, da educação e reeducação motora, do rendimento
físico-esportivo, do lazer e de outros campos que oportunizem ou venham a
oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas.
(grifo nosso)
Observemos novamente a Resolução CONFEF Nº 046/2002, no que tange ao exercício profissional em educação física:
O Profissional de Educação Física exerce suas atividades por meio de intervenções, legitimadas por diagnósticos, utilizando-se de métodos e técnicas específicas, de consulta, de avaliação, de prescrição e de orientação de sessões de atividades físicas e intelectivas , com fins educacionais, recreacionais, de treinamento e de promoção da saúde, observando a Legislação pertinente e o Código de Ética Profissional e, sujeito à fiscalização em suas intervenções no exercício profissional pelo Sistema CONFEF/CREFs.
A imagem a seguir retrata a avaliação motora de um aluno de 12 anos de idade, que apresentou um déficit de 3 anos em relação à sua idade cronológica, ou seja, apenas 9 anos de idade motora . Lembremos que desenvolvimento motor e cognição caminham juntos, de forma que a capacidade intelectual deve ser coerente com a capacidade motriz.
A partir daí, o professor de educação física definiria as atividades mais adequadas e coerentes com a necessidade e característica do aluno ou da turma. Ainda que a atividade definida fosse uma ação recreativa, esta seria prescrita com finalidade específica e num processo metodológico e sistemático, obviamente, sem o conhecimento do aluno, afinal, a ele interessa apenas explorar seu potencial motriz.
Continua na próxima edição...
Observemos novamente a Resolução CONFEF Nº 046/2002, no que tange ao exercício profissional em educação física:
O Profissional de Educação Física exerce suas atividades por meio de intervenções, legitimadas por diagnósticos, utilizando-se de métodos e técnicas específicas, de consulta, de avaliação, de prescrição e de orientação de sessões de atividades físicas e intelectivas , com fins educacionais, recreacionais, de treinamento e de promoção da saúde, observando a Legislação pertinente e o Código de Ética Profissional e, sujeito à fiscalização em suas intervenções no exercício profissional pelo Sistema CONFEF/CREFs.
A imagem a seguir retrata a avaliação motora de um aluno de 12 anos de idade, que apresentou um déficit de 3 anos em relação à sua idade cronológica, ou seja, apenas 9 anos de idade motora . Lembremos que desenvolvimento motor e cognição caminham juntos, de forma que a capacidade intelectual deve ser coerente com a capacidade motriz.
A partir daí, o professor de educação física definiria as atividades mais adequadas e coerentes com a necessidade e característica do aluno ou da turma. Ainda que a atividade definida fosse uma ação recreativa, esta seria prescrita com finalidade específica e num processo metodológico e sistemático, obviamente, sem o conhecimento do aluno, afinal, a ele interessa apenas explorar seu potencial motriz.
Continua na próxima edição...
*
Docente do Instituto Federal do Amazonas, campus Tabatinga;
Profissional de
Educação Física;
Especialista em Psicomotricidade;
e Mestrando em Motricidade
Humana e Saúde.
marcioabensur@ifam.edu.br
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Que mal existe em ser canhoto? A escola não responde
Prof. Márcio Abensur* |
Na edição anterior,
convidamos o leitor uma discussão sobre a
formação de analfabetos motores em nossas escolas, quando falamos sobre
as capacidades naturais do ser humano engessadas no momento em que mais
precisam ser estimuladas: a infância e a adolescência . Naquele momento os
hemisférios cerebrais e suas “especialidades” foram discutidos, numa abordagem
sobre como nosso sistema de ensino limita nossa aprendizagem às habilidades
linguísticas e ao raciocínio lógico (típicas do hemisfério esquerdo), numa
tradição escolar onde a
criança é privada de sua mais natural manifestação: a
motricidade.
Em resposta ao convite, nos foi solicitado que
abordássemos um pouco mais sobre o assunto, uma vez que a matéria tratou sobre
algo interessante, porém, “oculto” no espaço educacional e , como consequência,
no meio social. Então, vamos à discussão!
Inicialmente vamos chamar a atenção para um fato tão
comum e ao mesmo tempo despercebido em nosso cotidiano. Assim como a grande maioria
das pessoas, você que agora nos lê deve ser destro de mão, sem, no entanto,
nunca ter se perguntado por que não é canhoto ou, o menos provável, ambidestro.
E se por ventura tratar-se de um canhoto, é provável que também desconheça a
origem dessa preferência.
Para que tenhamos uma noção da disparidade, Bear,
Connor e Paradiso (2008) estimam que 96% dos destros e 70% dos canhotos têm o hemisfério
esquerdo dominante para a fala. Isto nos leva a um percentual a partir do qual
podemos afirmar a linguagem como especialidade deste hemisfério em
aproximadamente 93% das pessoas, já que 90% da população são destros. Segundo
os auto r e s , n este hegemônico mundo de destros, um pequeno destros, um pequeno
número de pessoas pode apresentar-se com o hemisfério direito dominante, mesmo
com qualquer das preferências manuais. Entretanto, É APENAS NOS CANHOTOS que a
fala apresenta-se como especialidade bilateral. Procedimento de Wada
(Bear, Connor e Paradiso, 2008).Por meio do Teste de Wada se pode verificar,
de forma prática, a função de um hemisfério cerebral.
Esta consiste em injetar em uma das artérias carótidas um barbitúrico, que
seguirá pela cor rente sanguínea até o hemisfério cerebral do mesmo lado, o
qual ficará anestesiado por um curto período de tempo.
Neste período, a sensação somática é perdida e os
membros do lado do corpo controlado pelo hemisfério anestesiado são
paralisados. Também por efeito da droga, a pessoa tona-se incapaz de falar, se
o hemisfério anestesiado é o dominante para a linguagem. Caso contrário, se a
droga for injetada do lado não dominante para a linguagem, o paciente poderá
falar durante o processo.
Esta é uma prova importante que podemos utilizar como
argumento para questionar algumas práticas em nosso sistema educacional, principalmente
na educação de base. Ora, quem de nós nunca ouviu falar de crianças que levaram
um tapinha na mão quando tentavam escrever com a mão esquerda, orientados pela professora
a segurar o lápis com a outra mão. Por incrível que pareça, se perguntássemos
(ou perguntarmos) a ela sobre o motivo de tal procedimento, não teríamos
resposta plausivel! Então, se a própria escola tende a evitar essa preferência
em seu aluno, que mal existe em ser canhoto? Quem disse que somos obrigados a
fazer as coisas obrigatoriamente com a mão direita? Vários estudos apontam que
o canhoto apresenta certas vantagens sobre o destro.
Nossa indagação é fruto da preocupação com a contradição
no espaço educacional , onde, teoricamente, as ações fundamentam - se em
referenciais científicos que atestam os postulados. Infelizmente , a ação pedagógica
proposta para os segmentos iniciais da educação básica têm origem numa base teórica
que define cognição como capacidade lógico-matemática e prazer comunicativo, a
partir da qual o ler, o escrever e o calcular representam a base de um ser
inteligente. E por mais que os doutos e pesquisas que definem bem a diferença
entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento integral estejam disponíveis,
nossas crianças continuam sendo educadas como “ meio inteligentes”, estimuladas
somente num hemisfério cerebral, privadas do direito de crescer desenvolvendo
suas várias outras habilidades.
Quanto à pergunta chave de nossa discussão, temos
plena certeza de que a escola não nos dará resposta, pelo menos enquanto o
educacional se limitar ao pedagógico e enquanto o ser humano não for
reconhecido como deve ser. Esta é uma discussão que travaremos na próxima edição.
*Docente do Instituto Federal do Amazonas,
campus Tabatinga;
Profissional de Educação Física;
Especialista em Psicomotricidade; e
Mestrando em Motricidade Humana e Saúde.
marcioabensur@ifam.edu.br
quinta-feira, 7 de março de 2013
Analfabestimo motor: Um convite à discussão
Os vícios da vida moderna têm
levado cada vez mais nossas crianças a adotarem uma vida sedentária, reforçada
pela imagem do homem moderno que a mídia corporativista projeta com tanta
prioridade e propriedade. Como se não bastasse, o estímulo escolar também
parece responder a esta tendência de comodismo, o que afeta não só a educação
em si, mas também a saúde infantil.
Hoje não é comum notarmos
crianças subindo em árvores, correndo num gramado, ou mesmo dando cambalhotas.
Podemos até arriscar a perguntar se hoje em dia nossas crianças sabem fazer
tais coisas que outrora já foram muito comuns, o que desmente qualquer
tentativa de justificar a incapacidade de realizar certas tarefas com o
discurso de limite humano, por exemplo.
Enquanto isso, na escola, em
meio à preocupação em resolver o problema do analfabetismo (cognitivo), por
exemplo, outra classe de analfabeto surge sem que haja qualquer percepção ou reação
por parte do professor. É o analfabeto motor, moldado a partir de práticas
baseadas num pensamento onde o homem evolui na medida em que sua capacidade
cognitiva avança.
Definimos analfabetismo motor
como a consequência de uma prática educacional reducionista, que priva o
indivíduo da vivência motriz e, consequentemente, do desenvolvimento das
capacidades e habilidades de um ser detentor de potencialidades integrais,
limitando-o à cognição reduzida ao raciocínio. Um bom exemplo é a lateralidade.
Ensina-se nos cursos para docente dos segmentos iniciais da educação básica que
a lateralidade é uma propensão do sujeito em utilizar mais um lado do corpo que
outro. Porém, os estudos deixam claro que esta propensão pode atingir os dois
lados desse corpo, podendo definir-se como homogênea, cruzada ou ambidestra.
O que chama a atenção é que, na
prática, tal importância acaba se tornando irrelevante, afinal, o fator
lateralidade está necessariamente relacionado ao movimento. E mesmo com o
respaldo dos vários referenciais que tratam sobre lateralidade, o educador
acaba por seguir a tendência do incentivo à preferência por apenas um dos
lados. O mais interessante é que a própria escola assume que “produz” sujeitos
limitados, quando a partir de determinada série, oferece carteiras escolares
predominantemente voltadas para alunos destros. Para os sinistros, quando
existem, os assentos são em número bem pequeno.
O CÉREBRO CANHOTO
Note na tabela a seguir que o
hemisfério esquerdo oferece os meios necessários ao desenvolvimento das
capacidades cognitivas, o que justifica sua hegemonia em relação ao hemisfério
direito, já que a grande maioria das pessoas sofre influência do paradigma
cartesiano, que se baseia no raciocínio lógico, linear e sequencial.
Por outro lado, o hemisfério
direito apresenta funções que caracterizam o todo, o integral, a emoção, a
intuição, a criatividade, a capacidade de ousar soluções diferentes. Como o
hemisfério racional é mais usado, os benefícios do hemisfério direito, como a
imaginação criativa, a serenidade, visão global, capacidade de síntese,
facilidade de memorizar, dentre outros, não são usufruídos. Tudo porque nossos
sistemas escolares são estruturados para o desenvolvimento de práticas típicas
do hemisfério esquerdo, como as disciplinas oferecidas (verbais e numéricas),
com as quais os alunos aprendem a ler, escrever e contar. Assim, podemos notar
uma “hegemonia” do hemisfério esquerdo sobre o direito, consequência da
limitação que o homem impõe a si mesmo em poder explorar o próprio potencial.
Para que possamos entender de
forma mais ampla as funções cerebrais, citaremos uma experiência que
proporcionou a caracterização específica de cada hemisfério.
Dean C. Delis, pesquisador da
University of California, em San Diego, e colaboradores, pediram que alguns
pacientes com danos cerebrais observassem o desenho de uma letra H maiúscula
composta de diminutos A (figura ao lado) e depois redesenhá-la de memória. Os
pacientes com danos no hemisfério direito, na maioria das vezes, apenas
rabiscavam letras A pela página. Os pacientes com danos no hemisfério esquerdo,
simplesmente desenharam um grande H maiúsculo sem nenhuma outra letra.
Isto mostra que o hemisfério
esquerdo do cérebro humano caracteriza estímulos com um ou vários detalhes,
enquanto o direito sintetiza padrões globais.
Em termos de comunicação entre
cérebro e corpo, sabemos que o hemisfério esquerdo controla o lado direito do
corpo e o hemisfério direito controla o lado esquerdo. Desta forma, a mão
esquerda é ligada ao hemisfério direito e a mão direita ao hemisfério esquerdo.
O cérebro humano é complexo e é
fato que precisa ser conhecido por quem se propõe a educar principalmente
crianças. Infelizmente, é um fato que parece passar despercebido no meio
educacional escolar, pois o próprio professor de educação infantil e anos
iniciais do ensino fundamental (diga-se de passagem, fase mais complexa do
desenvolvimento) desconhece as bases científicas necessárias ao entendimento do
processo de aprendizagem humana integral, pois não possui em sua base formativa
conteúdos que lhe proporcionem conhecer o processamento da linguagem ou da
escrita, por exemplo, em nível neurológico, fisiológico, biomecânico ou
anatômico.
A área de Wernick, no córtex
cerebral, é responsável pela organização de grande parte desse conteúdo
linguístico, enviando as informações à área motora, que definirá os grupos musculares
que efetuarão a ação. Isto significa que a linguagem oral ou escrita é um
trabalho complexo, num organismo complexo, não se caracterizando apenas pela
emissão de sons ou pelo manusear de uma caneta, numa simples visão pedagógica.
Em outras palavras, a escrita desenvolve-se a partir de um conjunto de fatores
interligados e interdependentes, tendo sua rede neural no cérebro, e não apenas
na mão direita. Significa também que o corpo como um todo pode “escrever”, a
partir da ordem motora cerebral, e com qualquer segmento que possua anatomia
que permita manipular um lápis, caneta, pincel, ou outro, pode gerar grafia.
Então, se o ser humano é
complexo e com capacidades incontestáveis, por que deve usar apenas “meio
cérebro” quando pode usá-lo por completo? Enquanto isso, os analfabetos motores
continuam em sua formação inocente e dissimulada, frutos de uma educação
paradoxal que prega o desenvolvimento integral do aluno, mas o limita em suas
capacidades.
* Docente do Instituto Federal do Amazonas, campus Tabatinga;
Profissional de Educação Física; Especialista em Psicomotricidade; e Mestrando
em Motricidade Humana e Saúde.
E-mail:marcioabensur@ifam.edu.br
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