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Crônica sobre os 114 anos do Município de Benjamin Constant

O Alto Solimões, outrora território de nossos primitivos habitantes os Omáguas, que não desapareceram completamente de nossa história, por ações do seu defensor o Padre Jesuíta Samuel Fritz, quando no início da colonização dessa região no século XVII, em que as duas potências reinantes da América de então Espanha e Portugal, lutavam pelo domínio e a supremacia da Amazônia.

Para dar cumprimento ao estabelecido no Tratado de Madri, firmado entre as duas monarquias em 1750, o Governo do Grão-Pará em 1751, manda desde Belém o Padre Jesuíta Manoel dos Santos, a fundar uma missão na foz do Rio Javari, cujo local Portugal desde 1710, tinha estabelecido como seus limites territoriais a oeste do Amazonas, após a grande devassa e castigo perpetrado contra os Omáguas, realizadas pelas tropas portuguesas entre 1708 e 1709, anos em que as águas do Solimões jamais foram tingidas de tanto sangue derramado por aquela nação indígena.

Na foz do Javari, o Padre Manuel funda a Missão de São José do Javari, em homenagem ao Rei Dom José I, estendendo sua ação evangelizadora que compreende hoje a região de Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga; com o auxilio dos Padres Jesuítas espanhóis da povoação de Loreto, traz mudas de plantas, sementes e alguns Ticunas que o acompanham, faz casas e uma igreja de paxiúba, coberta de palha; sua povoação cada dia crescia mais, porém em 1759 em Portugal foi publicado o Alvará que expulsava todos os Jesuítas de Portugal e de suas colônias, cuja lei começou a ser cumprida no ano seguinte. Assim no início de 1760, chega naquela Missão uma tropa portuguesa e o Padre Manoel é preso, acorrentado como o mais vil dos bandidos e escravos, somente com sua surrada batina é jogado no porão da embarcação e levado à Belém e de lá para as mais terríveis prisões de Portugal. Pouco depois no mesmo local, estabelece-se a primeira guarnição militar lusa, a qual por questões estratégicas, o comandante destaca para o lugar Tabatinga em 1766 um pequeno contingente de nove soldados e um sargento, ficando o lugar do Javari abandonado em 1776, quando todo o efetivo militar foi transferido para Tabatinga.

Com as constantes caça ao índio, o Alto Solimões ficou despovoado; os sobreviventes Omáguas e Tikunas, como povo nômade migravam sempre de lugar. Com a exploração da seringa, surgem novos personagens no Solimões, como a figura do patrão, do regatão e do seringalista. Os seringais nativos são invadidos por levas de nordestinos que se aventuram em busca de riqueza no Vale do Javari. Na foz daquele majestoso rio, surge uma figura humana de origem humilde, descendente de Omáguas que vagava pelo rio em busca de um porto seguro chamada Rosa Ferreira de Souza, que se instala onde hoje é nossa cidade de Benjamin Constant, dando-lhe o nome de ESPERANÇA ao seringal existente no local. Logo seu filho mais velho Pedro Ferreira de Souza, começa a explorar a seringa e tomar conta da propriedade. Com a primeira fase da borracha iniciada por volta de 1860, novos moradores vão-se chegando a Esperança, entre eles o comerciante português Antonio dos Remédios, depois de vender sua propriedade que compreendia os igarapés do Tacana e do Caldeirão, que posteriormente passou a chamar-se Belém do Solimões, ao comerciante Manuel Mafra, adquire de Pedro uma parte do seringal, dando-lhe o nome de Santo Antônio, em cujo local instala seu barracão.

Após a Proclamação da República, o governo do Amazonas, antevendo o aumento da arrecadação do Estado, que já florescia no Javari na nascente e avançada REMATE MALES, era necessário instalar mecanismos governamentais para dar suporte na exploração e ao comércio da borracha, cujo produto nos Estados Unidos e Europa aumentava mais e mais e os preços não paravam de subir. Tornou-se imperiosa a criação de uma unidade administrativa municipal no Solimões, independente de São de Olivença, cabendo tal medida ao Governador FILETO PIRES FERREIRA (1896 a 1898), editando a Lei nº 181 de 29 de Janeiro de 1898, nascendo então o município de Benjamin Constant, com sede em Remate Males no Javari, sendo instalado oficialmente o novo município em 12 de Outubro de 1904, quando tomou posse seu primeiro Prefeito, que na época chamava-se Superintendente o Senhor ALFREDO AUGUSTO DE OLIVEIRA BASTOS e os três Vereadores, que se chamavam Intendentes ANTONIO JOSÉ DOS REMÉDIOS, PEDRO PYAUHYLINO DE HOLLANDA CAMPOS e RAYMUNDO FREITAS. A primeira Professora do município Dona THEREZA MAIA, somente viria a ser nomeada pelo Ato de 21 de Dezembro de 1904. Remate Males era o maior centro comercial do Solimões, corria muito dinheiro, lojas de artigos importados da Inglaterra e da França, os navios do seu modesto porto saiam abarrotados de borracha para Manaus e Belém. Porém, desde 1910 o preço da borracha começou a cair, agravando-se ainda mais a situação com o fim da 1ª Guerra Mundial em 11 de Novembro de 1916, em que os seringais foram abandonados, as lojas de Remate Males foram fechando, não havia mais financiamento. Os comerciantes e seringueiros baixavam o rio procurando um lugar melhor e este lugar era Esperança, onde foram erguendo suas casas. Remate Males por ter sido instalado num lugar insalubre e sujeito a constantes enchentes, não era mais lugar para se estabelecer. Diante da caótica situação, o Governador EFIGÊNIO FERREIRA SALES (1925 a 1929), editou a Lei nº 1.374 de 4 de Junho de 1928, autorizando a transferência da sede do município de Remate Males para Esperança. Sendo aquele ato governamental, o ¨golpe de misericórdia¨ para o fim da outrora rica, opulenta e agonizante Remate Males.

Em Esperança instalaram-se as repartições públicas, inaugurou-se a Igreja da Imaculada Conceição, a cidade crescia, quando a pequena cidade é surpreendida, de que não mais se chamava Esperança e sim Benjamin Constant, decisão tomada pelo Governador Nelson de Melo (02.03.1934 a 19.02.1935), através do Ato de 31 de Dezembro de 1934, que a exemplo de Remate Males, cujo nome desapareceu por razões justificáveis, o nome de Esperança também desaparecia de nossa história, por imposição de uma oligarquia política que se instalou no Estado após a Proclamação da República, sepultando para sempre, um nome que significou o início de um ciclo histórico do cristianismo, da produção, da política e da cultura do Alto Solimões, em que a cidade e seu entorno levaram décadas para absorver o novo nome.

Benjamin Constant, que tanta seringa produziu nas duas fases da borracha, em que milhares de contos de réis foram deixados de impostos na Mesa de Rendas; recursos aplicados para ajudar embelezar Manaus com o Teatro Amazonas, ruas de paralelepípedos, instalação de bondes, palacetes, hospitais etc., enquanto que para nós nada restou, a não ser o abandono; a miséria em que foram deixados nossos seringueiros, verdadeiros bandeirantes do século XX, entregues a própria sorte em seus tapirís nas margens e afluentes do Javari. Porém, teu povo trabalhador e ordeiro, soube superar as dificuldades impostas, surgindo com o esforço de teus filhos e dos que te adotaram para em ti viver, essa bela e acolhedora Benjamin Constant, que sempre recebe de braços abertos seus visitantes, como fizeram no passado os descendentes Omáguas, que fundaram e deram origem a ¨Cidade Cultural do Alto Solimões¨.

Quem bom é festejar teu aniversário, lembrar-nos da saudosa ponte com seu florescente comércio, em que a população se aglomerava para ver a chegada dos aviões anfíbios da Panair do Brasil, a chegada dos navios Tavares Bastos, Augusto Montenegro e Lauro Sodré, que faziam a linha Belém-Manaus-Iquitos, para receber ou enviar cartas e encomendas; as partidas de futebol nas tardes de domingos, que tinha a ponte como arquibancada; as festas dançantes na sede do PTB animada pelo saxofone do Moreno; as famosas cacimbas que abasteciam a cidade e a luz que se apagava as dez da noite; o bode que aparecia às sextas-feiras na subida de Coimbra, as missas cantadas em latim em que todos entoavam o ¨ Pater Noster ¨, as intermináveis ladainhas que sempre terminavam com o ¨ Ora Pro Nóbis¨ e tantas outras histórias e personagens, cujo espaço não nos permite relatar. Também não podemos esquecer as acirradas disputas políticas entre o PTB, o PSD e a UDN, como a registrada nas eleições para Governador do Estado em 1958, em que o governador Plínio Ramos Coelho apoiava o candidato Gilberto Mestrinho; no dia das eleições após a votação, quando as urnas contendo os votos do povoado do Marco-Divisório (Tabatinga), eram conduzidas à Benjamin Constant, aconteceu um fato inédito, na Boca do Mauá por volta das seis e meia para as sete da noite, o pequeno motor de popa que transportava as urnas e os fiscais, foi atacado de surpresa por muitos botos vermelhos, também conhecidos por Tucuxís, que saltavam sobre a canoa. O juiz que presidia o pleito, ao abrir as urnas e fazer a contagem dos votos, verificou que todos eram em favor do candidato Gilberto Mestrinho; intrigado, mandou chamar os Mesários e Fiscais, e aqueles lhes afirmaram perante a lei, que as urnas tinham sido ¨encantadas¨ pelos botos, fazendo desaparecer os votos do outro candidato. A notícia espalhou-se, merecendo destaque nos jornais de Manaus. Nascendo desde então, o boto como símbolo das campanhas políticas e de governo de Gilberto Mestrinho.

Benjamin Constant e Tabatinga, em 23 de Janeiro de 2012

Luiz Ataíde (Lulu)

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