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Que mal existe em ser canhoto? A escola não responde



Prof. Márcio Abensur*
Na edição anterior, convidamos o leitor uma discussão sobre a  formação de analfabetos motores em nossas escolas, quando falamos sobre as capacidades naturais do ser humano engessadas no momento em que mais precisam ser estimuladas: a infância e a adolescência . Naquele momento os hemisférios cerebrais e suas “especialidades” foram discutidos, numa abordagem sobre como nosso sistema de ensino limita nossa aprendizagem às habilidades linguísticas e ao raciocínio lógico (típicas do hemisfério esquerdo), numa tradição escolar onde a
criança é privada de sua mais natural manifestação: a motricidade.

Em resposta ao convite, nos foi solicitado que abordássemos um pouco mais sobre o assunto, uma vez que a matéria tratou sobre algo interessante, porém, “oculto” no espaço educacional e , como consequência, no meio social. Então, vamos à discussão!

Inicialmente vamos chamar a atenção para um fato tão comum e ao mesmo tempo despercebido em nosso cotidiano. Assim como a grande maioria das pessoas, você que agora nos lê deve ser destro de mão, sem, no entanto, nunca ter se perguntado por que não é canhoto ou, o menos provável, ambidestro. E se por ventura tratar-se de um canhoto, é provável que também desconheça a origem dessa preferência.

Para que tenhamos uma noção da disparidade, Bear, Connor e Paradiso (2008) estimam que 96% dos destros e 70% dos canhotos têm o hemisfério esquerdo dominante para a fala. Isto nos leva a um percentual a partir do qual podemos afirmar a linguagem como especialidade deste hemisfério em aproximadamente 93% das pessoas, já que 90% da população são destros. Segundo os auto r e s , n este hegemônico mundo de destros, um pequeno destros, um pequeno número de pessoas pode apresentar-se com o hemisfério direito dominante, mesmo com qualquer das preferências manuais. Entretanto, É APENAS NOS CANHOTOS que a fala apresenta-se como especialidade bilateral. Procedimento de Wada (Bear, Connor e Paradiso, 2008).Por meio do Teste de Wada se pode verificar,
de forma prática, a função de um hemisfério cerebral. Esta consiste em injetar em uma das artérias carótidas um barbitúrico, que seguirá pela cor rente sanguínea até o hemisfério cerebral do mesmo lado, o qual ficará anestesiado por um curto período de tempo.
Neste período, a sensação somática é perdida e os membros do lado do corpo controlado pelo hemisfério anestesiado são paralisados. Também por efeito da droga, a pessoa tona-se incapaz de falar, se o hemisfério anestesiado é o dominante para a linguagem. Caso contrário, se a droga for injetada do lado não dominante para a linguagem, o paciente poderá falar durante o processo.

Esta é uma prova importante que podemos utilizar como argumento para questionar algumas práticas em nosso sistema educacional, principalmente na educação de base. Ora, quem de nós nunca ouviu falar de crianças que levaram um tapinha na mão quando tentavam escrever com a mão esquerda, orientados pela professora a segurar o lápis com a outra mão. Por incrível que pareça, se perguntássemos (ou perguntarmos) a ela sobre o motivo de tal procedimento, não teríamos resposta plausivel! Então, se a própria escola tende a evitar essa preferência em seu aluno, que mal existe em ser canhoto? Quem disse que somos obrigados a fazer as coisas obrigatoriamente com a mão direita? Vários estudos apontam que o canhoto apresenta certas vantagens sobre o destro.

Nossa indagação é fruto da preocupação com a contradição no espaço educacional , onde, teoricamente, as ações fundamentam - se em referenciais científicos que atestam os postulados. Infelizmente , a ação pedagógica proposta para os segmentos iniciais da educação básica têm origem numa base teórica que define cognição como capacidade lógico-matemática e prazer comunicativo, a partir da qual o ler, o escrever e o calcular representam a base de um ser inteligente. E por mais que os doutos e pesquisas que definem bem a diferença entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento integral estejam disponíveis, nossas crianças continuam sendo educadas como “ meio inteligentes”, estimuladas somente num hemisfério cerebral, privadas do direito de crescer desenvolvendo suas várias outras habilidades.

Quanto à pergunta chave de nossa discussão, temos plena certeza de que a escola não nos dará resposta, pelo menos enquanto o educacional se limitar ao pedagógico e enquanto o ser humano não for reconhecido como deve ser. Esta é uma discussão que travaremos na próxima edição.

*Docente do Instituto Federal do Amazonas,
campus Tabatinga;
Profissional de Educação Física;
Especialista em Psicomotricidade; e
Mestrando em Motricidade Humana e Saúde.
marcioabensur@ifam.edu.br

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